Coronavírus: A indústria do entretenimento vive a maior crise da história
Notícias / / 01, Março, 2021
A ansiedade e a incerteza é maior para aqueles que não têm um trabalho regular, especialmente no Brasil, onde a informalidade é a realidade de quase 50% da população. A indústria do entretenimento, a mais afetada pelo vírus segundo o portal americano Variety, nunca enfrentou uma crise como essa, e aqui estou falando principalmente da mão-de-obra que faz esse setor girar, e não apenas os seus grandes players – que também têm enfrentado duras consequências. São produtores, atores, controladores de acesso, técnicos, músicos, carregadores – só para citar alguns – que dependem do “job”, da “taxa” de cada dia.
Esse mercado representa 13% do PIB brasileiro, segundo o Secretário Estadual de Turismo de São Paulo, movimentando quase R$ 25 bilhões no Brasil anualmente com eventos, festivais, festas, feiras e congressos.
Os profissionais da indústria de entretenimento representam 6% do trabalho brasileiro, que ocupam cerca de 25 milhões de empregos diretos e indiretos em TVs, agências, eventos, teatros, cinemas.
Mas o buraco é muito mais embaixo que isso. Esse setor engloba, além da operação de bilheteria, também a comercialização de alimentos, bebidas, produtos promocionais, operação de casas de espetáculos, venda de patrocínio, estacionamentos, o turismo em si (com hotéis, passagens aéreas, empresas de transporte), a arrecadação de impostos, luz, água, seguros, fornecedores de som, geradores cenografia, enfim… todos estamos em risco.
Como preservar a sanidade de quem trabalha com entretenimento
Profissionais desse setor são particularmente vulneráveis à problemas de saúde mental, dependência, depressão e suicídio.
Embora não haja uma pesquisa semelhante por aqui, a organização australiana sem fins lucrativos CrewCare especula que a taxa de suicídio entre equipes de entretenimento ao vivo – que somam cerca de 10.000 na Austrália – pode ser 10 vezes a média nacional. Ao The Guardian, Steve Alberts, roadie australiano, conta que “Nossa indústria está cheia de velhos bastardos duros, dominados por homens, e eles não gostam de procurar ajuda. Eles sentem que ninguém vai entender, porque nosso trabalho é mais um estilo de vida do que um trabalho, até os jovens são endurecidos assim.”
Na Austrália existe uma lei de apoio que oferece assistência financeira e à saúde mental ao setor. A instituição acabou de lançar uma importante iniciativa de captação de recursos e conscientização: The Sound Of Silence. Mas lá, o setor também está se mobilizando de outras maneiras. A CrewCare encaminhou um e-mail incentivando empresas fechadas e os recém-desempregados a se cuidar. “Ligue para três pessoas por dia para ver como elas estão”, diz o email. “Se alguém estiver realmente deprimido e com dificuldades, ligue de novo a tarde ou noite”.
A All Access Crewing em Brisbane, uma das muitas agências australianas que dispensaram funcionários, está fornecendo alimentos para eles e está pagando à equipe principal normalmente por pelo menos seis semanas, enquanto aguardam os benefícios da lei do governo do país. Ainda há um check-in diário sendo desenvolvido no Facebook e é a partir dele que os profissionais vão poder sinalizar que estão bem.
Chamado da Live Nation para oferecer suporte aos profissionais da indústria da música
Como o setor de entretenimento foi impactado
O ato de fechar as cortinas é para a nossa proteção, mas principalmente do público final, que é representado por pessoas que têm distintas características sócio demográficas e preferências.
Já existem estimativas de que entre 40% e 70% da população mundial será infectada em algum momento até o final de 2021. Em São Paulo, tínhamos um evento a cada 6 minutos, imagine o impacto social e econômico para essa sociedade.
O governador do estado, João Doria (PSDB), afirma que as perdas para a área estão calculadas em R$ 34,5 bilhões. Segundo a Euromonitor, em 2012, o gasto médio por pessoa com entretenimento é de em média US$ 1.001 por ano, representando quase US$ 5,7 trilhões no mundo, e no Brasil, isso representa cerca de US$ 70 bilhões anualmente. A expectativa da PWC antes da crise do Coronavírus é que o mercado de entretenimento crescesse em média 4.2% até 2021.
A palavra entretenimento, de origem francesa, surgiu com sentido de apoiar, unir. Mas esse é o momento de parar, porque presencialmente não temos como seguir adiante.
Exemplo disso é o pastor na Coreia do Sul, que é suspeito de 63% dos casos no país por seus cultos presenciais, ou a Pool Party LGBTQ em Miami, que tem ao menos 9 casos ligados a festa, além de vários outros exemplos sendo denunciados ao redor do mundo ligados ou não a nossa indústria.
O momento é de apoio e união, mas à distância. E é aí que músicos, artistas e promoters estão dando um show!
São eventos virtuais, kits de produção musical, cursos, uma colaboração já mais vista. A Resident Advisor criou a campanha “Save Our Scene”, além de um arquivo colaborativo para ajudar os profissionais da área, e um blog americano também foi criado com instruções legais, trabalhos online e toda a assistência para esses profissionais.
O ser humano está sofrendo com esse afastamento que nos impede de fazer o que fazemos de melhor. Mas quatro músicos americanos tiveram uma das iniciativas mais bonitas e criativas para afastar um pouco dessa sensação dos moradores de Los Angeles. Eles vão fazer semanalmente uma festa no melhor estilo “drive-in”. A estreia foi na última segunda-feira. Em uma van branca, os artistas usaram um transmissor de rádio FM para transmitir DJ sets para cerca de 50 carros estacionados com pessoas ouvindo “sozinhas, juntas” em um estacionamento de um hipermercado fechado por causa da pandemia.
Cerca de 900 pessoas também entraram em casa através do site da Dublab, uma instituição de música eletrônica sem fins lucrativos. O público buzinava e acenava pelas janelas, abria os porta malas para interagir a distância e ao fim de cada set o público acendia os faróis e aplaudia, algo quase que poético. Uma solução viável em meio ao caos vivido nas últimas semanas.
No alt text provided for this image
Festas no drive-in em Los Angeles. Fonte: Billboard
O streaming pode ser uma ótima iniciativa para a saúde mental de todos, além de trazer um pouco de dinheiro de volta aos músicos e intérpretes, mas não ajudará a espinha dorsal de sua indústria. Moran, um roadie australiano declarou ao The Guardian: “Acho que estamos todos incrédulos em quão frágil a indústria acabou sendo”.
Efeitos do COVID-19 nos festivais
Por conta do COVID-19, os principais festivais do mundo tiveram seu cancelamento ou adiamento anunciados. Dentre eles estão o SXSW, – algo inédito em seus 34 anos de existência, Coachella – que neste ano receberia as artistas brasileiras Anitta e Pabllo Vittar, Ultra Music Festival, Tomorrowland Winter, além de conferências de tecnologia e vários outros eventos que acharam até soluções online para realizar seus eventos.
Portais foram criados para acompanhar o status destes eventos como Ad.Age, IndieWire e Is It Cancelled Yet?.
No alt text provided for this image
SXSW cancelado pela 1ª vez em 34 anos
O impacto nas cidades onde os eventos aconteceriam também assusta. Segundo o Greyhill Advisors, o SXSW em 2019 trouxe US $ 355,9 milhões em receita para a economia de Austin, o maior de sua história. A prefeitura de Austin e a organização do SXSW se uniram no movimento Stand With Austin, pedindo arrecadações para um fundo que vai dar suporte para clubes, bares e restaurantes sobreviverem.
A Broadway, em Nova York – maior referência de entretenimento teatral do mundo – , parou totalmente. Estima-se que a receita perdida possa chegar à cifra de US$ 100 milhões.
Tóquio, sede das próximas Olimpíadas, já soma um prejuízo incalculável com o adiamento dos Jogos.
Orlando sofre com a falta de turistas em seus resorts e parques, que só para a Wall Disney Company representam 34% do seu faturamento – sem contar todas as suas produções totalmente congeladas.
Além dos cinemas que estão sendo fechados em todo o mundo, ainda mais empregos estarão em risco. As bilheterias norte-americanas caíram para US $ 55,3 milhões, seus níveis mais baixos desde setembro de 2000. Em Hollywood existe um medo generalizado de que possam haver demissões consideráveis se o impacto do vírus continuar a perturbar os negócios por um longo período.
Coronavírus e a indústria da música
Em Washington, mais de duas dúzias de empresas de música e entretenimento se uniram na sexta-feira (20 de março) para enviar uma carta conjunta ao Congresso dos Estados Unidos pedindo ajuda financeira, já que a crise do coronavírus continua a se espalhar pelo país.
“À medida que você percorre o caminho difícil para fornecer a ajuda necessária a setores distintos de nossa economia, solicitamos que você lide especificamente com a natureza exclusiva de nosso trabalho. Férias com impostos sobre as folhas de pagamento, férias remuneradas e outras formas de assistência típicas podem nunca chegar a muitos na comunidade do entretenimento; de fato, a ajuda financeira direta continua sendo uma solução esperançosa – e talvez a melhor – para substituir a perda de renda e oferecer alguma aparência de sustentabilidade econômica”, afirma a carta em tradução livre.
No Brasil, segundo a pesquisa Data Sim São Paulo, são mais de 5 mil eventos suspensos, 16 mil profissionais atingidos e um prejuízo estimado de mais de R$ 400 milhões.
Aqui, coletivos também fazem ações de colaboração, com o OCLB, que disponibilizou uma série de materiais sobre o mercado e a crise, além de promover encontros duas vezes por semana com profissionais da indústria do entretenimento como forma de apoio e troca de experiências e aprendizados em tempos de coronavírus.
O governo ainda estuda ações para este setor, que por enquanto não tem feito nada além de seus R$ 200 para autônomos extremamente necessitados, ou créditos facilitados – sem comentar o silêncio da Secretaria da Cultura. Os bancos também não colaboram para esses profissionais brasileiros. Seguros de proteção de renda do Banco Itaú, por exemplo, simplesmente estão sendo negados aos segurados justamente na hora mais necessária deste sinistro.
Músicos também estão sendo muito afetados pela COVID-19, e em uma petição online postada pelo músico Evan Greer pediu ao Spotify para triplicar suas taxas permanentemente e fazer uma doação de US $ 500.000 ao fundo Covid-19 de Sweet Relief , uma instituição de caridade baseada na Califórnia que fornece assistência financeira a músicos e trabalhadores da indústria, por conta do fechamento de estabelecimentos e cancelamento de turnês, pois durante os últimos anos uma mudança significativa na maneira como estes artistas ganham dinheiro aconteceu.
Com a diminuição do consumo de música por vias tradicionais (CDs, DVDs), as principais fontes de receita da indústria musical são as turnês, vendas de músicas em mídia e royalties. As turnês se tornaram essenciais para os artistas, que foram pressionados a aumentar o número de shows.
Fonte: Time For Fun
Rendas e receitas de artistas. Fonte: Time For Fun
Porém, o Spotify também não está em seus melhores momentos. Na Itália, um dos países mais atingidos pelo coronavírus, por exemplo, as 200 músicas mais tocadas no Spotify no país tiveram uma média de 18,3 milhões de transmissões por dia em fevereiro de 2019. Com o anúncio de quarentena do primeiro ministro em 9 de março, o total de transmissões das 200 músicas mais populares não superaram 14,4 milhões. Segundo uma pesquisa da Quartzo, houve uma queda de 23% em uma semana no streaming das 200 músicas mais tocadas. Resultados semelhantes foram aferidos nos EUA, Reino Unido, França e Espanha. Um porta-voz do Spotify disse ao Guardian: “Não há dúvida de que este é um momento desafiador para a nossa comunidade de criadores e estamos trabalhando para ajudá-los através do fundo de ajuda Covid-19 do MusiCares para fornecer a assistência necessária”.
Na última semana o Spotify anunciou ações de ajuda aos artistas. Uma delas foi o COVID-19 Music Relief, que ajuda a conectar músicos e outros profissionais da música que precisam de financiamento para organizações doadoras , além de ajudar a arrecadar fundos. A própria plataforma doou US$ 10 milhões para os primeiros parceiros do projeto. Além disso estão acelerando o desenvolvimento da plataforma Spotify For Artists, onde os próprios fãs podem contribuir com os artistas. E por fim existem parceiros renunciando taxas e participação nos lucros dentro da plataforma.
No alt text provided for this image
Fonte: Quartzo
Como os grandes players estão sendo afetados?
Os grandes também estão sofrendo. A Live Nation, maior empresa do setor no mundo, está passando por um momento deprimente na Bolsa de Nova York. Só em 18 de março o preço das ações caiu 31,9% nas três primeiras horas de negociação.
Esse movimento forçou o valor de mercado da Live Nation, que caiu mais de dois terços – ou mais de US $ 11 bilhões – em um único mês. A S&P, uma consultoria de confiabilidade econômica de empresas, emitiu um aviso para a Live Nation Entertainment de risco que a empresa poderá sofrer um rebaixamento de crédito. No quarto trimestre deste ano, a Live Nation possuía cerca de US $ 3,3 bilhões em dívidas de longo prazo.
Atitudes foram tomadas, como o próprio CEO da companhia, Michael Rapino, comprando US$ 1 milhão de ações para conter a queda. Além disso depois de sinais de apoio do governo, credores e empresas de crédito as ações da empresa voltaram a subir. E na sexta feira já demonstrou uma recuperação do seu pior dia na Bolsa de Nova York.
Em agosto, a Endeavor possuía uma dívida de longo prazo de US$ 4,6 bilhões. A Endeavor, maior empresa do setor no segmento esportivo, adquiriu o UFC em 2016 por US $ 4 bilhões. Em janeiro, a empresa também adquiriu a empresa de hospitalidade On Location Experiences por US $ 660 milhões, conforme estimado pela Bloomberg News. Um dívida gigantesca de longo prazo. O UFC planeja realocar as próximas lutas para a instalação APEX de Las Vegas, que tem capacidade total de produção e pode transmitir lutas e permitir que o UFC receba taxas de direitos de mídia. A Endeavor também espera que outros produtos da companhia possam fornecer liquidez por aproximadamente seis meses.
Ações na bolsa da Live Nation em queda
Está claro que a economia está sofrendo muito mais do que os analistas esperavam. Os dados de janeiro e fevereiro mostram que a produção industrial na China, cuja previsão era de cair 3% em comparação com o ano anterior, caiu 13,5%. As vendas no varejo não foram 4% inferiores, mas 20,5%. O investimento em ativos fixos, que mede os gastos em máquinas e infraestrutura, diminuiu 24%, seis vezes mais do que o previsto. Isso fez com que os analistas econômicos de todo o mundo se apressassem em rever suas previsões. Diante da recessão mais brutal na memória, os governos estão estabelecendo pacotes de resgate em uma escala que excede até a crise financeira de 2007-09.
A indústria do entretenimento vive a maior crise da história
O mundo pós-coronavírus pode ter uma redução “bastante dramática” em eventos relacionados ao setor, diz Rob Gabel, CEO da Tubular Labs à Variety. “Quando há uma recessão, você diminui o rebanho”, diz ele. “Se você não é um evento de sustentação, ou o número 1 ou 2 do seu nicho, está com problemas. O setor de entretenimento sempre está disposto para ajudar o próximo, mas agora é a hora de nos ajudarmos”